terça-feira, 14 de agosto de 2012

O medo da minha alma


Poucas pessoas são capazes de admitir que têm medo, medo do fogo, da água, do escuro ou até mesmo da luz. No entanto não sabem que este é a arma secreta para viver, é o que nos dá coragem para seguir em frente e lutar, mesmo num dia escuro onde a única claridade sejam os relâmpagos que caem do céu sem avisar e explodem em terra fazendo um bebé chorar.
Eu sou capaz de admitir que tenho muitos medos, medo de me abandonarem e ficar sozinha, num quarto sem luz nem som, onde o vazio me asfixia, mas, mesmo assim todos os dias em que me vejo sem ninguém com quem possa falar, luto para evitar que a solidão me leve para um beco. Também a morte me mete medo, sabendo que cada dia a vida se encurta mais um pouco e a linha se torna mais próxima da nossa alma. No entanto, são todos os dias que tento lutar contra os meus medos desde o minuto em que acordo até ao minuto em que adormeço, crio forças em mim para esconder a alma e mantê-la jovem. Crio uma máscara e finjo que nada me afecta, que não ganho doenças ou que sou imune às críticas dos que me odeiam e aos erros que cometo. Tenho medo da prisão e anseio a liberdade, onde a alma poderá ser livre e terá hipótese de conhecer o mundo exterior e envelhecer como uma flor que é.
“Pode um homem continuar a ser valente se tiver medo?”
“Essa é a única maneira de um homem ser valente” (George R. R. Martin)
Mariana Ramos Maia

segunda-feira, 28 de maio de 2012

A carta ao Luar



Estava á beira da janela da sala, a olhar para a rua, onde os cães passeavam pelo jardim e as pessoas corriam pelo largo da igreja, encostado na poltrona de pele macia já velhinha, com uma escrivaninha ao lado e outra poltrona igualmente velha a frente mas vazia. Olhei em volta da sala onde havia fotografias a preto e branco em volta das paredes e parei o olhar em frente á gaveta da escrivaninha, tirei de lá uma carta antiga. Abri a carta, respirei fundo e comecei a ler:
“Querido Bernardino,
Estava hoje no meu quarto a pensar como haveria de escrever esta carta, visto que é a primeira depois do nosso encontro na lagoa das 7 cidades, naquele luar de meia-noite, ao som do gira-discos de Mozart no dia 15 de Julho de 1920.”
Suspirei, caiu-me uma lagrima do olho esquerdo e continuei a ler,
“Quando a tua mão deslizou pela minha como uma pena a pairar o meu coração bateu mais forte, como se fosse sair, contei a minha aminha ju e ela explicou-me que é amor, não podia acreditar que tu, Bernardino, pudesses ser o meu amor, o meu Romeu e eu a Julieta. Não sei bem o que dizer nesta carta especialmente quando tu estás em Africa tão longe de mim.”
Percorri mais uma vez o olhar pela sala e pousei a carta, fui buscar um copo de água e peguei novamente nela, não comecei logo a ler, pus a tocar o disco de Mozart tal como nas 7 cidades, tal como naquela noite, ao luar onde dizem que uma princesa e um príncipe choraram e se uniram. Prossegui.
“Quando, no primeiro passo de dança tu me puxaste para ti e eu deixei o meu corpo ser levado, olhei para os teus lindos olhos, castanhos, já com 20 anos com cabelo cinzento escuro de fato e gravata e olhos castanhos, agarraste-me agora com mais força e abraçaste-me inclinaste-me para trás e com suavidade os teus lábios tocaram nos meus. Depois da ceia e do ultimo copo de champanhe vim para casa a cantarolar, a pensar em ti e sonhei contigo. E agora que estás em áfrica arrependo-me de não te ter dito que te amava, que era capaz de deixar a casa do meu pai para ir para Angola contigo de avioneta e fugir. Mas agora só me resta dizer que te amo e que se o mundo acabasse amanhã vivia esse ultimo dia na lagoa das 7 cidades ao som de Mozart com uma pessoa, Bernardino Ramos, tu meu querido.
Da tua querida Amélia”
Levei a carta a face para lhe sentir o cheiro, mas este já se tinha perdido pela gaveta, já só cheirava a madeira e papel antigos. Guardei novamente a carta fechei a gaveta pousei o copo de água e olhei para o calendário pendurado na parede, 15 de Julho de 2000.
Mariana Ramos Maia

quarta-feira, 25 de abril de 2012

O Fim da Linha


Dizem que a morte é quando o coração pára de bater, o sangue deixa de percorrer as nossas veias, o cérebro não responde e deixamos de ver, ouvir e falar, o tacto passa a ser uma coisa sem sentido, dizem que a morte é deixar de viver.
Para mim a morte não existe, não passa de uma banalidade do dia-a-dia, é a tentativa de explicação numa palavra apenas para o desaparecimento das pessoas, é a explicação para o acto físico duma paragem do coração, mas na realidade o coração nunca pára, haverá sempre alguém por quem o nosso coração há-de bater, alguém por quem o nosso sangue passe nas veias e haverá alguém por quem possamos ver, ouvir, falar, tocar e haverá sempre alguém que vai fazer as coisas por quem deixou de as conseguir fazer porque diz o senso comum que apenas morreu.
É impossível dizer que uma pessoa morreu quando permanece no coração de alguém, é impossível afirmar que para além da vida existe vida ou que as almas permanecem, senão de onde vem o vento que nos indica para onde ir, de onde viria o sexto sentido feminino senão das mães e avós? De onde vêm os sonhos senão da mente de alguém que já cá não está presente fisicamente.
Não podemos afirmar que a morte existe mesmo, podemos apenas afirmar que as pessoas passam de uma forma física a pura e simplesmente forma psicológica, tornam-se o nosso rumo e o vento que faz com que permaneçamos fortes sem a sua presença, a morte é a passagem do real para o irreal.
Mariana Ramos Maia

sábado, 14 de abril de 2012

A força das palavras


Nem todas as palavras são simples, algumas são grandes e outras curtas, umas robustas e floridas outras ingénuas e doces, mas também há aquelas de ódio e as de paixão, de esperança e terror.
Aquela, que tu tanto odeias, é a que me faz sentir confiante, a que tu tanto usas, faz-me sentir desprezível e impede-me de me afastar de ti e ser totalmente livre. Mas, a palavra que nunca foi pronunciada por ti é, sem dúvida alguma, a que eu mais quero ouvir da tua boca, olhos nos olhos, é aquela que eu sonho noites e noites, aquela que faz com que eu continue em cima dos caminhos-de-ferro e siga como um comboio, que faz a mesma viagem vezes e vezes sem conta mas sem nunca encontrar um destino certo. Em tempos o verão costumava ser azul, o inverno branco e o amor vermelho ardente. Antes tu eras vermelho, costumavas-me dizer palavras doces e carinhosas, eras também verde como a alegria dos campos cheios de relva na primavera.
Esses dias onde eras de mil cores foram em vão, acabaram por me destruir por dentro e o que tínhamos tornou-se agora um mar incerto, um cinzento que não é negro como o carvão nem branco como a neve pálida. O que temos agora é meramente físico e químico, onde o inconsciente é deixado para trás como se fosse para os fracos e eu fui deixada num campo de catos no meio do deserto das palavras.

Mariana Ramos Maia

quinta-feira, 29 de março de 2012

O Céu Vestido de Negro


Andava com o cavalo cor de pérola pelo jardim, de chão prateado e trigos de ouro onde o pensamento residia no galopar do cavalo. O mundo tinha-se tornado cruel, materialista e sem escrúpulos, onde o romantismo perdeu lugar e se tornou para os fracos. Um mundo onde a ignorância reside nas faces da população que habita o mundo que durante séculos foi chamado de planeta azul, onde agora apenas se vê cinzento e preto nos céus de quem tem coragem de erguer a cabeça ao ar.
Enquanto cavalgava pela quinta antiga com já dois séculos de história, pensei, pensei como a população se tornou materialista e egoísta. Senti-me revoltada com a sociedade que antes nascera do afecto e carinho dos progenitores e protecção dos pais e Tudo o que era puro e naturalista se tornou no que hoje se vê num olhar pela janela da sala. Tudo o que cabia á inspiração foi ocupado pela negação do belo, onde a rivalidade tomou lugar ao amor e inocência de quem o habitava, tudo aquilo que tornava uma cidade alegre, está agora degradado ao tornar um céu azul num negro que mata qualquer olhar belo de um humano.
Hoje, onde a força me escapa das rédeas do cavado ao galopar, escapa-me também a força da mente para contestar contra este mundo de pessoas robóticas. Eu, apesar de já velha, ainda faço parte dos fracos que se encantam pelo romantismo e pelo belo das esculturas greco-românicas, onde cada curva era maravilhosamente delineada e esculpida, ao contrário deste mundo de meros parasitas da robótica que se chamam de humanos.
Mariana Ramos Maia

domingo, 25 de março de 2012

A Carta sem voz nem receptor


Berlim, 2 de Setembro de 1942

Hoje vagueava pela rua da minha casa, no largo do grande muro de Berlim. Quanto mais me aproximava, maior era o ruído do desespero vindo de dentro, das pessoas. O ar era marcado pelo cheiro da morte dos que lá permaneciam, como estátuas da antiga Grécia, impossíveis de se tocar.
Ao longo do muro vejo os sacos abandonados, testemunhos da morte dos fugitivos que, ao porem o pé no outro lado, são espancados e levados pela morte, à frente dos que fingem que nada sabem e dos que fingem que nada veem, como se a ignorância fosse mais fácil do que a luta. Eu era um deles, fingia não saber e não ver a morte dos que não pertenciam à nossa etnia, os que eram morenos e de olhos castanhos doces, como um chocolate acompanhado dum reflexo que encontramos quando bebemos uma caneca de chá, verde claro, reluzente. Foi então que os meus olhos mudaram de direção. Olhei em frente e vi-te, alto como a árvore da vida e magro como um ramo frágil que suporta o ninho e o lar de quem lá vive. Olhos castanhos reluzentes. Fugi, não aguentei o sofrimento que trazias nos teus olhos, a dor da tua boca marcada de sangue e carne viva.
Regressara ao meu quarto. Sentada na poltrona, de máquina de escrever à frente, escrevi, escrevi até o barulho da rua se dissipar com os meus pensamentos e com o barulho das teclas a bater no papel e a marcar cada letra, cada palavra, cada sentimento de revolta e angústia dos que sofriam e dos que por egoísmo, tudo tinham, tudo ambicionavam e nada faziam. Naquele momento mudara de rumo na minha vida, dedico-me a ti, Amor, nome que te dei, pelo simples facto de o Amor ser a metáfora da minha vida.
Assim, esta carta termina, sem destinatário e sem rumo, sem voz de leitor e reação de recetor. É a carta que prova que tu existes e que a minha forma de pensar mudou, por ti e por todos os que se encontram como tu, em dor constante. Em medo do que está apenas ao virar da esquina, a morte.

Para ti, Amor.
Alanor.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Amor é, um pássaro preso num céu aberto,
Um fogo aceso dentro de água,
O errado sempre certo
E eu, em mágoa.

Num branco e preto
Dentro deste vento,
A vida e a morte
Oh sorte!

Encontro-me eu aqui, amor,
Leva-me já daqui, dor.


Poema inspirado em Luis Vaz de Camões,
Mariana Maia e Andreia Coelho

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Estrela


"Um castigo é a vida, um castigo sem falta ou pecado, um castigo sem salvação; a vida é um castigo que não se impede e que não se consente. Imagino-te a ver esta noite da varanda dos meus olhos, a entrares nesta floresta de mil estrelas por contar, estas estrelas que não chegam para iluminar a terra, mas que iluminam pequenas circunferências de céu à sua volta." Vejo uma estreça, que numa linha imaginária se une com outra estrela e outra e outra, ligo-as e vejo uma constelação a formar-se, um corpo delgado, pormenorizado, com cada curva marcada por uma estrela. Reconheço o corpo do sonho que andava a ter há meses, dou-lhe um nome, nome este que também me era familiar, lembro-me de uma voz aguda, delicada e afinada. Reconheço a tua voz a dizer-me ao ouvido, "Rosalinda", o nome dos meus sonhos, o nome por que há muito me tinha apaixonado e levado a procurar-te.
Hoje, encontro-me a uns quilómetros de distancia de ti, vejo a tua forma, vejo o porquê de te chamares Rosalinda e descubro a forma dos teus cabelos, uma rosa, vejo eu, uma rosa com espinhos, a forma da tua cara, as tuas bochechas, o formato dos teus olhos, da tua boca, do teu nariz, tudo maravilhosamente desenhado nesta constelaçãp. Apaixono-me por ti, Rosalinda. Sento-me numa poltrona a olhar para o céu, a contemplar a tua beleza única, a tua beleza representada da melhor forma que podia ser, nas estrelas, algo único, apenas possível de ver aos olhos de poucas pessoas, apenas aos olhos de quem já viu o amor e já sentiu o mesmo que eu. Apenas essas pessoas é que têm capacidade de ver o que está para além do céu e do mar, do sol e do fogo e principalmente dos sonhos. Algo que podemos encontrar escrito nas estrelas, algo lindo e belo, alguém, tu, Rosalinda.
Mariana Ramos Maia

sábado, 11 de fevereiro de 2012

O livro

O meu livro não caiu do céu, pelo menos aquele céu azul que observamos todos os dias pela janela que nos recorda o mar do Oceano e a luz do bem ou a escuridão do mal. O meu livro caiu duma prateleira simples, de uma biblioteca antiga, vazia, apenas com corredores e corredores de livros. Bem, isto é, se considerarmos uma prateleira apenas uma prateleira, mas se a considerarmos algo mais, como um céu, então podemos dizer que o meu livro caiu do céu, não o céu acima descrito, mas sim o céu que eu considero grande e misterioso. Um céu que apenas nuns meros centímetros contém a vida de milhares de pessoas e inúmeros universos, cada um diferente do outro. O livro não caiu do nada,o livro chamou-me. Estava sentada sozinha na biblioteca, apenas com mais uma senhora de idade, que já pouco ou nada ouvia,denominada por bibliotecária. Estava sentada a estudar, rodeada de apontamentos espalhados pela mesa velha de madeira, que já pouco se via dela. Decidi ir procurar mais um livro de história sobre o início da Idade Média. Mas perdi-me, perdi-me nos inúmeros corredores e estantes. Ouvi uma voz, uma voz fina e delicada, a pedir socorro. Segui a voz, mas esta veio por detrás de um livro, tirei-o da estante para espreitar para o outro lado. Tinha o livro numa mão e a curiosidade no outro lado, espreitei, mas a voz mudou de direcção, agora vinha do livro que tinha na mão. Decidi abri-lo e folheá-lo. Era um livro bastante antigo, já com as folhas castanhas e as letras manchadas. Não resisti, li a primeira frase e dizia: "Domingos José Correia Botelho de Mesquita Menesses, fidalgo de linhagem e um dos mais antigos solarengos de Vila Real de Trás-os-Montes(...)".
Mariana Ramos Maia